Almoço por inteiro - Belcanto, Lisboa.


Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. 
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive 

Meu olhar perdido atravessava a escotilha do submarino, enquanto o poema de Fernando Pessoa avistado na entrada do restaurante ecoava em minha cabeça. Essa frase não faz sentido? Me explico.

Ferran Adrià foi um marco do estilo “molecular” de cozinha nos anos 80. Para a esmagadora maioria dos seus discípulos, o pulo do gato era a ferramenta: o nitrogênio líquido, os destiladores rotativos, o thermomix  e outras geringonças que  prometiam colocar uma estrela na porta de qualquer restaurante. 

Comprar os equipamentos é fácil; difícil é usa-los a serviço do sabor. 

Conheci o “Cantinho” de José Avillez em 2011, e escrevi sobre a casa [aqui]. Temi, confesso, que fosse mais um adepto da pirotecnia sem consistência. Não foi o que vi. A refeição mais que agradável naquele restaurante despojado, me fez querer conhecer sua proposta mais arrojada: o Belcanto, que estava prestes a inaugurar. 

Muito tempo se passou e já estive no Belcanto por duas vezes. Seu menu Descobertas foi uma das melhores refeições do ano. 



O arrojo não está no ambiente, que aliás é bem austero e clássico. A ousadia se vê nas montagens teatrais e elegantes, de cenários comestíveis e muito “parece mas não é”: parece uma cenoura... mas não é; parece um alho... engano seu; parece um ovo... só que não. 

Toda a brincadeira emprestada pela cozinha molecular não permite categorizar o Belcanto como sendo só “isso”. O colo da gastronomia portuguesa é grande e generoso demais. Seu restaurante é feliz fusão da consistência com a técnica. É grande, e inteiro.

Prometi não falar de todos os pratos, mas os poucos que retirei ainda me doem. 

No meio do caminho tinha uma pedra - se me permitem o embalo poético - e era de fígado de bacalhau com ovas de truta. Deliciosa. Marcou o início da refeição ao lado da “flor” de atum que colhi com todo cuidado para não engolir o crisântemo que me encarava. 



A escotilha que me fez divagar avistava crustáceos, ouriço, frutos do mar portugueses, pinguinhos de côco e uma “textura” de alga do mar. 


A sardinha na brasa com geleia de pimentão era de uma delicadeza primorosa.


Inesquecíveis carabineiros em cinzas de alecrim com arroz. Dos meus preferidos.


Robalo à baixa temperatura, com lingueirão, aspargos brancos e brócolis com avelãs. 


Cozido à partuguesa com carnes de porco, vaca e enchidos. Eu, que não sou fã de cozidos, me rendi.

O menu, apesar de extenso, não deixou de me embalar até o fim com alegria. Não capitulei nem com a rabada estufada com foie gras, tutano e enguia defumada em creme de beterraba e capuchinhas. O que julgava pesado, se mostrou equilibrado.



Nas sobremesas, pêssego e abóbora em diferentes texturas e temperaturas me traziam uma lembrança de goiaba.


Por fim, um creme de tangerina no interior daquela, a que "não era"... A ideia de combinar o sabor da fruta com cogumelos em crumble ficou simplesmente genial.


Reguei tudo com Niepoort Coche, dos meus brancos do Douro preferidos.

Fiquei feliz ao testemunhar que, de fato, Avillez põe tudo quanto é no mínimo que faz. Como a descrição elogiosa indica: uma tarde em rima rica.

BELCANTO
www.belcanto.pt
Largo de São Carlos, 10 - Lisboa, Portugal
+351 21 342 0607
de terça a sábado, das 12:30hs às 15hs e das 19hs às 23hs.
Fechado aos domingos e segunda.










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Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.