Quarteto fantástico - Cidade do México


As cores vibrantes associadas ao México são ainda mais fortes em sua cena gastronômica. Não consigo me lembrar de outra cozinha tão instigante, cativante, original e com qualidade média tão alta como a da capital. A cozinha de produto tão em voga no mundo, vai ainda mais fundo no país, com a utilização de ingredientes nativos, métodos indígenas e a riqueza ímpar de temperos e preparações extremamente complexas e ricas de história.

O México não deixou de ser México com a globalização. Ao contrário: aproveitou o Mundo pra ser ainda mais México.

Falo aqui sobre as quatro grandes refeições que fiz. Os capítulos "comida simples" ou ainda o "comida de rua", mereceriam não menos do que 200 posts e procurarei retomar as saudade aqui e ali. Com a certeza de que deixei coisa boa de fora, selecionei as refeições em restaurantes que mais me impactaram.

BIKO


No BIKO, a riqueza da cozinha local se une à do País Basco. Aqui, o ambiente branco, minimalista e sóbrio, dos chefs Bruno Oteiza e Mikel Alonso, só é (redundantemente) “quebrado” com quebra sol de madeira que paramenta a parede principal. Dentre inúmeros pratos deliciosos no menu degustação, destaco três que me marcaram:


O divino foie gras com iogurte, cookies integrais, um toque de mostarda, erva doce, avelã picada e cookies defumados deixou belíssimas lembranças.


Lâminas de couve flor, nabo, pingos de azeitona preta e verde, e uma esfera de azeite no meio, são afogados num creme de couve flor com nabo e trufa. À medida que os sabores se misturam à delicadeza dos legumes, o prato ganha profundidade. Sopa excelente e delicadíssima, com toque etéreo da trufa.


Maravilhosos mexilhões com pó de torresmo, pingos de pimentão com tomate e iogurte de guindillas (nome dado às variedades de pimenta mais picantes).

QUINTONIL

No QUINTONIL, um ambiente adorável com um espaço amplo ao fundo, como o de uma varanda urbana, oferece pratos claramente mais leves do que seus pares, e busca sabores mais puros e delicados. Os pratos são lindos e milimetricamente montados, com a desvantagem (na minha opinião) de atrapalhar sua temperatura.



Coincidentemente quem nos atendeu foi o garçom Éder, um mexicano batizado em homenagem ao jogador de futebol brasileiro. E é claro que o serviço bateu um bolão (ai...). Explicou que a Tequila Casa Dragones, límpida, deve ser servida na flute, enquanto a José Cuervo Casa Dragones, que é envelhecida, no copo de conhaque. Ambas, das melhores tequilas do país. A sangrita, um suco de tomates com limão e temperos, em geral acompanha a bebidaa. Obviamente, quando estamos falando de exemplares deste nível, a sangrita é dispensada.



O couvert vem com pasta de huitlacoche - fungo exigente que ataca somente o milho fazendo um resultado delicioso -, e se completa com outra pasta de tomates e feijões com a erva "hoja santa".



Do que comi, meus preferidos foram o coquetel de camarão com côco e goiaba. Refrescante, delicado e simples, com pozinho feito com a cabeça desidratada dos camarões sobre o prato.


O excelente peixe gordo de profundidade chamado "escolar" vinha com chile chipotle queimado, purê de abóbora de castilla (uma doce lembrança que trouxe do México) abacaxi assado com coentro e pinguinhos do mesmo chipotle.



"Recado" é o nome que se dá no México a uma mistura de ervas e temperos usada em carnes, peixes ou legumes, que também é usada como base para molhos. Aqui, o "recado negro" - cuja base são chiles quase carbonizados e socados com especiarias e ervas - virou molho para a papada de leitão yucateco com escabeche de legumes.

Ao final, um delicioso sorbet de nopal. Sim... o cacto.

MEROTORO


Com um janelão amplo que dá pra rua arborizada, o MEROTORO, restaurante de decoração linhas retas e madeira clara com a cozinha ao fundo, me encantou pela simplicidade. A montagem é bem "orgânica", como tendo a preferir, sem pinguinho de molho milimetricamente calculado aqui ou ervinha colocada com pinça ali. Tudo que comi tinha gosto de abraço, que me fez querer mais. No almoço, a freqüência era bastante "executiva" e o cardápio consistia de 3 tempos, em que se podia escolher um prato de cada um.


Os pães de crosta amarga foram os melhores dentre os restaurantes visitados, e são feitos em padaria própria.



Legumes são um ponto alto e obrigatórios na casa. Uma entrada simples de beterrabas "sangre de toro" com abacate, suco de cítricos e borscht fermentado na casa, vinha com legumes no ponto perfeito e pepinos contribuindo para a leveza do conjunto. 



Arroz cremoso de abóbora de Castilla (olha ela aí...) com carne de ouriço e torresmo de frango. Sinceramente... podia mergulhar numa piscina disso. 

PUJOL

Devo dizer que, apesar de todos os restaurantes aqui citados terem sido espetaculares, considero o PUJOL um degrau acima em termos de complexidade de preparações e respeito pelos ingredientes locais. Foi uma das refeições mais interessantes e originais dos últimos tempos, feita num ambiente pequeno, limpo, moderno e minimalista, de paredes negras com pequenos focos de luz sobre as mesas. 



Poderia falar de vários dos oito pratos que comi, mas o primeiro digno de nota foi o milho com maionese de formiga, um clássico de rua no México. O milho macio é mergulhado em pó de chili com maionese de formigas chicatanas secas e moídas, que lhe conferem um sabor intenso, redondo e defumado. Excelente. 


Os escamoles são considerados com freqüência o "caviar" do México. A temporada se dá entre março e abril. O que são? Larvas de formigas bastante agressivas que tornam o produto ainda mais raro. Têm textura de semente de quiabo e no PUJOL são servidas com alho poró e tutano, que não pesa a mistura e deixa brilhar os escamoles.


Outro prato delicadíssimo foi a couve-flor em picles. Pequenos pedaços tenros de algo que parece alcachofra se misturam a algo que parece aspargo e se junta a purês que parecem de couve e brócolis... Não me interessa o que parece, mas estava delicioso, redondo e com cutucadas de acidez.



Meu taco vinha sobre a tortilla mais delicada que já vi, com folhas de abacate e "churrasco" de carapau com cacau e chile poblano, acompanhado de mole verde. Espetacular.



Mas o ponto (ainda mais alto) da refeição estava por vir: o chamado "Mole madre". O "mole" é uma mistura que pode levar até 20 ingredientes e designa uma série de molhos mexicanos. Aqui, numa versão doce, o contraste entre o "mole negro" feito no dia e um cultivado por 362 dias, como uma massa madre, é uma experiência incrível. O jovem "mole" de dentro é picante, cítrico e pungente. O de fora, redondo, profundo e macio. A mistura leva cacau, chili, nozes e frutas, sempre da estação. Em junho se junta banana ao "mole". Em dezembro, maçã. Com o passar do tempo e o aquecimento da mistura, duas vezes ao dia, o cacau se faz mais presente, acalmando os demais ingredientes. Uma imperdível cozinha viva.

Depois de salivar saudade por saudade, terminei este post com vontade de comprar outra passagem. Se você ama cultura e gastronomia, vá.


BIKO
www.biko.com.mx
Presidente Masaryk 407 - Ciudad de México 
 + (52) 55 5282 2064
das 13h30 às 16h30
das 20h00 às 22h30
fechado aos domingos
férias: de 22 de dezembro a 4 de janeiro 

QUINTONIL
www.quintonil.com
Newton 55, Polanco, Ciudad de México
+52 55 5280-2680 / 5280-1660 / 5280-0254
de segunda a sábado: de 13:00hs às 17:00hs
das 19:00hs às 23:00hs 
fechado aos domingos

MEROTORO
www.merotoro.mx
Calle Amsterdam 204, Ciudad de México
+52 55 5564 7799
de segunda a sábado, das 13:30hs às 23:00hs
domingos, das 13:30hs às 18hs

PUJOL
www.pujol.com.mx
Calle Francisco Petrarca 254, Polanco, Ciudad de Mexico
+52 55 5545 3507
de segunda a sábado, de 13:30hs às 15hs
das 18:30hs às 22hs
fechado aos domingos


0 comentários:

Postar um comentário

 

Cristiana Beltrão

Esse blog surgiu da necessidade de organizar dicas de restaurantes, paradinhas, bares, mercados e bebidas ao redor do mundo para os amigos. De quebra, acabei contribuindo para jornais e revistas Brasil afora. Espero que gostem.